Violência doméstica: principais pontos que você precisa saber

No ano de 2023 houve grande repercussão dos meios de comunicação para o caso da apresentadora Ana Hickmann, que noticiou à polícia ter sido vítima de ameaças e agressões praticadas pelo seu então marido, Alexandre Correia. Chamou atenção o fato de Ana Hickmann não ter requerido a decretação das medidas protetivas prevista na Lei Maria da Penha em face de Alexandre Correia.

Tal fato não é isolado. Ele apenas realça uma infeliz realidade da violência doméstica que atinge um grande número de mulheres no Brasil. Paralelamente, evidencia a importância e a necessidade de abordar algumas nuances que envolvem a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

A primeira questão que surge é: quem é a vítima que a Lei Maria da Penha busca proteger?

O artigo 5, caput, da Lei 11.340, não deixa dúvidas: é a pessoa do gênero feminino, desde que inserida em um contexto de relação de coabitação, familiar ou íntima de afeto.

Não é por outra razão que os Tribunais brasileiros aplicam a Lei Maria da Penha para a proteção não só da esposa, ex-esposa, namorada, ex-namorada e amante do agressor, como também para os casos em que filha, sogra, avó e, com base na concepção de coabitação, a funcionária do lar foram vítimas de violência doméstica ou familiar.

A Lei Maria da Penha também é aplicável aos casos de mulheres transgênero e transexuais. Na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o artigo 5º, caput, da Lei 11.340/2006 não limita sua aplicabilidade à condição de mulher biológica, tampouco exige, para conferir a proteção nela prevista, a realização de cirurgia de redesignação sexual ou retificação do registro civil (Resp. 1.626.739/RS e Resp 1.977.123/SP).

Como se vê, a Lei Maria da Penha busca coagir e reprimir toda ação ou omissão contra o gênero feminino, dentro de um contexto de coabitação, familiar ou afetivo, capaz de causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico.

Por consequência, a Lei 11.340/2006 é inaplicável aos casos em que pessoas do gênero masculino são vítimas de violência doméstica ou familiar, ainda que em relação homoafetiva.

A segunda pergunta: a Lei Maria da Penha se aplica apenas quando os homens são os agressores?

A resposta é não. O artigo 5º, caput, da Lei 11.340/2006 não especifica quem deve ser necessariamente a pessoa autora da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Com isso, os dispositivos da Lei em questão são aplicáveis tanto quando o autor da ação ou omissão é homem, tanto quando a autora da ação ou omissão é mulher.

Inclusive, em relação à mulher autora da violência doméstica ou familiar, o parágrafo único do artigo 5º da Lei 11.340/2006 prevê as relações pessoais que autorizam o reconhecimento da violência doméstica contra a mulher independem da orientação sexual.

Portanto, lésbicas, transexuais e transgêneros de identidade feminina também estão sujeitas às restrições previstas na Lei Maria da Penha.

A terceira questão: existe uma infração penal específica que caracterize a violência doméstica?

Na verdade, qualquer crime praticado contra pessoa do gênero feminino, dentro de um contexto familiar, de coabitação ou afetivo pode ser enquadrado como hipótese de enquadramento dentro das regras estabelecidas pela Lei Maria da pena.

O artigo 7º da Lei 11.340/06 prevê, em resumo, que são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral.

Desse modo, a título exemplificativo, as agressões praticadas por um pai contra uma filha, as ameaças de um ex-marido contra a ex-mulher, o estupro praticado por um namorado contra a namorada, o roubo praticado por um neto contra a avó e a calúnia praticada por um filho em face da mãe, por força do disposto na Lei Maria da Penha, serão, de regra, julgados pelo Juizado de Violência Doméstica Contra a Mulher.

Além disso, em tais situações, é possível, entre outras decisões que podem ser tomadas, que sejam decretadas em desfavor do agressor medidas protetivas, que visam, justamente, impedir que novos atos de violência contra a mulher sejam praticados.

As medidas protetivas podem ser requeridas pela própria ofendida, no ato do registro da notícia da violência doméstica. Isto é, a própria vítima poderá, quando procurar a Delegacia, requerer que sejam decretadas em desfavor do agressor as medidas protetivas.

Contudo, mesmo nas hipóteses em que a vítima da violência doméstica não fizer o requerimento, as medidas protetivas poderão ser decretadas. Isso porque, conforme estabelece o artigo 19, caput, da Lei 11.340/2006, as medidas protetivas podem ser concedidas pelo juiz a requerimento do Ministério Público.

A Lei 14.550/2023 trouxe importantes alterações nas medidas protetivas. A primeira delas foi a inserção do §5º no artigo 19 da Lei 11.340/2006, de modo a autorizar a concessão das medidas protetivas independentemente de tipificação penal, do ajuizamento da ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.

A segunda veio com o acréscimo do §6º no artigo 19 da Lei 11.340/2006, que passou a prever que as medidas protetivas vigorarão enquanto persistir o risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

Como consequência, havendo prova de animosidade entre a vítima e o autor da violência doméstica, mesmo inexistindo investigação criminal ou outra ação na esfera cível (ação de divórcio, por exemplo), será possível o juiz decretar a medida protetiva em favor da ofendida, a qual persistirá enquanto houver o risco que a motivou.

O desrespeito às medidas protetivas impostas pelo juízo configura crime de desobediência previsto no artigo 24-A da Lei 11.340/2006.

Além disso, é possível, diante de tal situação, o decreto, pelo juiz, de prisão preventiva em face do agressor.

Não obstante o artigo 19, §4º, da Lei 11.340/2006 permita a decretação das medidas protetivas com base no relato da ofendida, a acusação em juízo e eventual condenação por crime praticado no âmbito de violência doméstica dependem da existência de provas sobre a autoria e a existência do fato.

A jurisprudência dos Tribunais brasileiros é pacífica no sentido de que, nos casos de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância. Isso, contudo, não significa que uma condenação pela prática de um delito pode ter como base tão somente a palavra da ofendida.

É necessário que a versão da vítima esteja acompanhada por outros meios de prova. Recomenda-se, por isso, que a vítima apresente as provas demonstrativas da violência sofrida, como, por exemplo, fotografias, testemunhas, laudos médicos etc.

As falsas acusações de violência doméstica, por sua vez, podem ser tipificadas como denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal – Pena de 2 a 8 anos) ou falsa comunicação de crime ou contravenção (art. 340 do Código Penal – Pena de 1 a 6 meses).

O tema violência doméstica contra a mulher é extremamente sério e não pode se prestar a desejos de vingança ou de prejudicar alguém.

Essas são apenas algumas nuances que envolvem o tema violência doméstica. Vítimas, investigados ou acusados da prática de atos enquadrados como violência doméstica devem procurar um advogado, para poder esclarecer as dúvidas e tomar as melhores decisões diante de uma situação tão delicada.

Artigo: MICHEL KNOLSEISEN

Advogado Criminalista, sócio-fundador do escritório de advocacia Knolseisen Advogados. Professor de Direito Penal e Processo Penal.

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