
Hospitais particulares e o SUS: Como evitar acusações de crimes contra a administração pública? Esse é o segundo artigo envolvendo as atividades relacionadas ao exercício da medicina. Nele, vamos abordar os riscos decorrentes da prestação de serviços por hospitais particulares ao Sistema Único de Saúde.
A pergunta que frequentemente surge: é possível que a equipe médica (médicos, enfermeiros, auxiliares etc), o administrador do hospital e os funcionários administrativos sejam considerados funcionários públicos?
A resposta é positiva. Na forma do artigo 327 do Código Penal, o funcionário público pode ser qualquer pessoa que, ainda que transitoriamente e sem remuneração, exerça uma função pública e utilize dessa função para a prática de crime.
Nesse cenário, por exemplo, o médico que pede ao paciente dinheiro para “furar a fila” de atendimento estabelecida pelo SUS responderá pelo crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317 do Código Penal, que tem pena de dois a doze anos, e multa.
Situação que gera insegurança e questionamento ocorre quando o paciente assistido pelo Sistema Único de Saúde opta por procedimentos que não são cobertos pelo SUS, como, por exemplo, uma videolaparoscopia.
É possível a cobrança de valores do paciente nesse caso? Se houver a cobrança, o médico pode incorrer em algum crime ou ser responsabilizado pelo Conselho Regional de Medicina?
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº. 541.447/SP, entendeu não caracteriza crime de corrupção passiva, prevista no artigo 317 do Código Penal, a cobrança feita por médico a paciente assistido pelo Sistema Único de Saúde decorrente de emprego de técnica cirúrgica menos invasiva (videolaparoscopia) não coberta pelo SUS.
O referido entendimento não ignorou que a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei 8.080/1990) veda a cobrança de valores para complementar o atendimento prestado aos pacientes assistidos pelo SUS.
Também foi observado pelo STJ que a exigência de complementação de honorários médicos ou a dupla cobrança por ato médico viola os artigos 65 e 66 do Código de Ética Médica, o que pode levar a aplicação de sanções pelo Conselho Regional de Medicina.
Não obstante, tal cobrança não é indevida ou ilegítima a ponto de caracterizar crime contra a administração pública, notadamente diante do fato de que o uso dos equipamentos necessários para a realização de procedimentos menos invasivos gera custos de manutenção e de reposição de peças, não sendo razoável que o médico ou o hospital arque sozinho com estas despesas.
Como se vê, a cobrança complementar pela realização de procedimentos não cobertos pelo SUS traz um risco de responsabilização, pelo CRM, por infração ética.
Porém, não se ignore que, apesar do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, há o risco considerável de que tal situação desencadeie investigações policiais e acusações em juízo da prática de crimes contra a administração pública.
Assim, para evitar qualquer acusação perante o CRM e perante a justiça, não devem ser feitas cobranças completares de pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde, ainda que os procedimentos que geraram essas cobranças não sejam cobertos pelo SUS.
Todavia, caso realizados os procedimentos não abrangidos pela cobertura do sistema público de saúde e realizadas as respectivas cobranças, é importante que seja feito o registro em prontuário do procedimento feito, dos equipamentos e instrumentos utilizados e, principalmente, seja documentado o consentimento do paciente e a ciência inequívoca de que a opção por ato médico não coberto pelo SUS gerará a cobrança complementar.
Com isso, ainda que não seja afastada a possibilidade de punição pelo CRM, os riscos de responsabilidade criminal são afastados, senão completamente, de modo bastante considerável.
Diante de intimações da Polícia Civil, da Polícia Federal, do Conselho Federal de Medicina e de Varas Criminais envolvendo o assunto aqui tratado, o advogado criminalista deve ser consultado para dirimir dúvidas e para orientação sobre as melhores estratégias de defesa.
O advogado criminalista poderá ajudar, também, na consultoria para adequar as práticas da equipe do hospital à legislação em vigor.
Artigo: MICHEL KNOLSEISEN
Advogado Criminalista, sócio-fundador do escritório de advocacia Knolseisen Advogados. Professor de Direito Penal e Processo Penal.
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