O que fazer diante de uma intimação para depor na delegacia de polícia?

O que fazer diante de uma intimação para depor na delegacia de polícia?

Recentemente, o ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, foi intimado para prestar depoimento no dia 22 de fevereiro de 2024, no inquérito policial em que ele é investigado pela prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito.

A intimação trouxe consigo dois fatos que geraram bastante repercussão na imprensa:

  1. a manifestação apresentada pela defesa do ex-presidente, perante o Supremo Tribunal Federal, em que informava que o investigado optava em ser interrogado apenas quando fosse garantido a seus defensores o acesso integral aos conteúdos extraídos dos telefones celulares apreendidos pela Polícia Federal;
  2. ii) a decisão do Ministro Alexandre de Moraes (Inq 4874/DF) indeferindo o pedido, sob o argumento de que foi autorizado à defesa do investigado o acesso às provas já presentes no inquérito policial, não havendo, portanto, qualquer obstáculo para que a Polícia Federal interrogue o ex-presidente na data previamente designada.

As nuances apresentadas por esse caso específico servem também para entender o que fazer quando intimado pela polícia para prestar um depoimento.

Primeiro ponto que deve ser esclarecido: em geral (podem haver exceções) a intimação entregue pelos policiais não especifica se o depoimento será prestado na condição de suspeito, investigado ou testemunha de delito.

Também não é comum que informações sobre o assunto da intimação sejam passadas por telefone.

Por isso, ao receber uma intimação, é importante consultar um advogado criminalista para a apuração do motivo da requisição do depoimento.

Caso constatado que a pessoa intimada vai ser ouvida na condição de testemunha, é importante ter em mente que o depoimento é obrigatório, conforme estabelece o artigo 206 do Código de Processo Penal.

Além disso, a testemunha tem o dever de dizer a verdade sobre o que sabe e não pode ficar em silêncio sobre o que lhe é perguntado, sob pena de responder pelo crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal.

Não raro a testemunha se depara com o seguinte dilema: o teor da sua resposta poderá incriminá-la, mas se silenciar ou omitir a verdade há a possibilidade de responsabilização criminal por falso testemunho.

Nesse caso, não só é admitido como deve ser respeitado e garantido o direito ao silêncio do depoente, sem que isso implique na prisão em flagrante da testemunha pela prática do crime previsto no artigo 342 do Código Penal.

Isso porque, em tal situação, mesmo a testemunha tem assegurado o direito de não produzir prova contra si mesmo, que é uma consequência da ampla defesa assegurada no art. 5º, inciso LV, da Constituição da República.

Quando a intimação é motivada pelo fato de a pessoa intimada ser a investigada, não se pode perder de vista, antes de mais nada, o direito de ser acompanhado por um advogado durante toda a investigação, o direito ao silêncio e o direito de não produzir provas contra si mesmo.  

Assim, ao se apresentar para ser interrogado, o investigado:

  1. não poderá ser ouvido sem a presença de seu defensor, caso opte por ser acompanhado, no ato, por um advogado;
  2. tem o direito ao silêncio total ou parcial, isto é, de não responder nenhuma pergunta que lhe for formulada pela autoridade ou responder apenas alguns dos questionamentos feitos durante sua oitiva;
  3. não pode ser obrigado, contra sua vontade, a produzir provas, como, por exemplo, participar de reconstituições, reconhecimentos, permitir a extração de material genético etc.

O artigo 260 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de condução coercitiva do investigado que, intimado, deixe de comparecer perante a autoridade para ser interrogado.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 444, firmou o entendimento de que tal dispositivo legal viola a Constituição da República.

Afastou-se, com isso, a possibilidade do investigado, uma vez intimado, ser conduzido à força perante a autoridade policial para ser interrogado, mesmo porque o próprio texto constitucional garante o direito ao silêncio e de não produção de prova contra si mesmo. E não é só: fica clara a inexistência de obrigação legal do investigado de comparecer no dia e hora designados para a realização do interrogatório.

Segundo ponto a ser esclarecido: a autoridade policial é obrigada a dar acesso a todas as provas colhidas durante a investigação?

De acordo com a Súmula Vinculante 14 do STF, “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Para entender o teor da Súmula Vinculante 14 do STF, podemos utilizar o caso do ex-presidente da República citado no início desse texto: durante as investigações foram juntados documentos, colhidos depoimentos, bem como, mediante ordem judicial, foram apreendidos telefones celulares e acessados os arquivos neles armazenados.

Alguns desses documentos e depoimentos foram inseridos nos autos do inquérito policial, enquanto outras provas, como os arquivos extraídos dos celulares apreendidos, ainda estão sendo analisados pelos policiais federais.  

Diante do teor da Súmula 14 do Supremo Tribunal Federal, somente as provas que foram inseridas nos autos do inquérito policial poderão ser acessadas pela defesa dos investigados.

Aquelas provas que ainda estão sob a análise da autoridade policial e, por isso, não foram juntadas aos autos do inquérito (no caso usado como exemplo, os arquivos extraídos dos telefones celulares) não poderão ser acessadas pela defesa, não havendo nenhuma ilegalidade nisso, nos termos da Súmula Vinculante 14 do STF.

Como se vê, o quadro decorrente de uma intimação vinda de uma delegacia de polícia é bastante complexo.

Não restam dúvidas de que é preciso saber do que se trata a intimação e qual a posição do intimado na investigação (testemunha ou investigado) para que seja traçada a necessidade, ou não, de uma estratégia de proteção de direitos. Para isso, a consulta ao advogado é imprescindível.

Artigo: MICHEL KNOLSEISEN

Advogado Criminalista, sócio-fundador do escritório de advocacia Knolseisen Advogados. Professor de Direito Penal e Processo Penal.

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